O Brasil até que não pode reclamar do resultado do 41º Festival Internacional de Cinema de Roterdã: "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, levou o prêmio Fipresci, que é o prêmio da crítica internacional.
O filme não ganhou nenhum dos três Tiger Awards, os prêmios concedidos para os filmes em competição. Não pude seguir a competição, mas "O Som dos Outros" representa uma estreia mais que animadora para o crítico pernambucano.
Como ele mesmo disse, trata-se de um filme sobre a sua rua, um local que conhece bem. É o ponto de partida de uma observação muito sensível sobre a sociedade desigual do Nordeste, tendo no centro três gerações de uma família cujo patriarca é um senhor de engenho.
Em suma, um filme com humor, sem pretensão a reinventar o cinema, mas capaz de contornar o óbvio, de se mostrar provocativo: uma estreia feita com orçamento modesto (cerca de R$ 2 milhões), que leva a esperar, desde já, por novos filmes desse autor.
Já a seção "Mouth of the Garbage" (nome traduzido da Boca do Lixo), deixou seus curadores, Gabe Kingler e Gerwin Tamsma, com um sorriso daqui até aqui. Era um programa de risco, que juntava no mesmo saco filmes desde o período "marginal" da Boca do Lixo ("O Bandido da Luz Vermelha", "O Pornógrafo", "Orgia ou O Homem que Deu Cria"), filmes do período que se poderia chamar "sexploitation" (o fantástico "O Império do Desejo", "Snuff - Vítimas do Prazer", "O Despertar da Besta"), até a era do sexo explícito ("Oh! Rebuceteio").
Mesmo essas classificações supõem destinos muito diversos: "O Bandido", de Rogério Sganzerla, foi um grande sucesso, enquanto "Orgia", de João Silvério Trevisan, ficou preso na censura e só há pouco tempo foi lançado em DVD. O público e os especialistas não se espantaram com essa diversidade, e em dado momento comentava-se muito "The Garbage".
O essencial, no entanto, é a abertura que essa seção representa aqui mesmo no Brasil. Digamos que na história do nosso cinema existe uma porta lateral para Rogério Sganzerla e outras, ainda menores, para Carlos Reichenbach e José Mojica Marins.
Mas é um cinema visto, essencialmente, como um desvio numa linha histórica cujo centro é o cinema novo e sua sequência, a Embrafilme.
Quanto a Ozualdo Candeias, do inventivo "A Margem", ao Claudio Cunha de "Vítimas do Prazer", ou a Jean Garrett, o lugar reservado pela história oficial era mesmo de esquecimento.
O que se pôde ver em Roterdã foi, justamente, a proposta de uma reavaliação completa desse cinema. Trata-se de saber o lugar dessa indústria do pequeno orçamento (com muito mais baixos do que altos, sem dúvida), construída sobre as ruínas da falência dos grandes estúdios (Vera Cruz, Maristela), o desencanto com os rumos do cinema novo no final dos anos 1960 e a acentuada mudança de costumes (sexuais, sobretudo) do período.
Reabrir essa discussão não significará apenas revisar um passado morto e enterrado. Essa experiência marcou bastante, afinal, a crítica contemporânea brasileira (especialmente a mais arrojada surgida a partir da revista eletrônica "Contracampo", que nunca engoliu passivamente a historiografia oficial) e o cinema pernambucano, o mais criativo do país atualmente.
É um pouco o campo, também, de Júlio Bressane, também presente a Roterdã. Ao apresentar seu filme "Rua Aperana 52", não teve meias palavras: para ele foi a Embrafilme que acabou com a criatividade da Boca do Lixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário